sexta-feira, 11 de junho de 2010

Desconstruindo Beckett

            Luz e passos. Dois andarilhos caminham pelo vazio da existência em direção a lugar nenhum. Com uma mala na mão, percorrem com passos cadenciados um percurso sem destino. De repente, a música para e o cenário sai do breu esverdeado para uma claridade azulada. A cada tom diferente de luz, tem-se um universo de possibilidades na teia das relações humanas.  

X e Y movimentam-se enquanto jogam.

Em uma composição de dança e teatro, o Grupo Jogo de Experimentação Cênica (POA) abriu a 3ª edição do FETISM em um espetáculo que joga com situações absurdas, mostrando as limitações do ser humano.

Sapatos velhos e sujos calçam os pés cansados de tanto andar. Com esforço, o personagem X tira o sapato, olha dentro, coloca a mão, sacode o sapato, olha pelo chão se por acaso caiu algo; não encontra nada, volta a passar a mão no sapato, olhando vagamente. Nada. Bate-o no chão, procura por algo que estaria dentro dele. Assim se dá a incessante busca por algo que não se sabe ao certo o que é. Ou onde está. Talvez o problema não fosse o sapato, mas o pé.

           
Enquanto espero, jogo. Essa é a máxima que rege as vidas vazias dos dois clochards, vagabundos que perambulam pelas ruas. O roteiro é inspirado na obra do dramaturgo e escritor irlandês Samuel Beckett, e traz fragmentos da peça Esperando Godot, além dos poemas Cascando, Que Palavra Será, O calmante, Que Faria? e Sobressaltos. Para a construção do espetáculo, Igor Pretto, um dos responsáveis pela direção e roteiro, comenta que a primeira etapa foi o trabalho da coreografia, inserindo-se, num segundo momento, o texto.

É justamente a fusão entre dança e teatro que se faz transparecer na interpretação de X e Y, e, tal como os personagens, as duas formas artísticas complementam-se dando sentido ao que antes era vazio. É o corpo conduzindo a voz. Isto é, as expressões corporais provocam reações na entonação da voz do personagem. Para Alexande Dill (direção, roteiro e atuação), a voz que não chega a articular uma fala audível é mais válida para expressar o sentimento pelo corpo do que apenas o treino da voz separadamente do resto.

Os clochards exaustos, à espera de algo.

 
Após um breve descanso, enquanto um dorme em pé e o outro reflete sobre o nada, X e Y continuam seu caminho num espaço desconexo, sem início ou fim. Apenas andam, carregando a mala na mão. E os passos seguem na descontínua trilha do vazio da existência.


Texto: Sarah Quines
Fotos: Nathália Schneider

2 comentários:

  1. Play-Backett. Com textos e poemas de Samuel Beckett, dois personagens patéticos e, por vezes, cômicos, sonceguiram prender a atenção do público por quase uma hora.
    Teatro é tudo de bom, pela presença das pessoas, ali, perto da gente. Pode-se ouvir a respiração, cada gesto é realizado ali, momento a momento. Ou te "prende" ou não. Este prendeu. O enredo não tinha uma lógica racional, não era uma história e a interpretação dependia da emoção e subjetividade de cada um.
    O corpo é que falava, o tempo todo. Mesmo quando os personagens fingiam dormir, cena parada, a gente não piscava. Tinha sentido, emocionava.
    A expressão corporal, as vezes quase uma dança, era muito pertinente e muito boa.
    Sincronizada com a música, esta muito adequada e muito bem explorada pelos atores.
    As falas e gestos, às vezes realizados em perfeita sincronia, lembrava duas criaturas, juntas mas sós, em vida errante a procura de algo que não conseguiam encontrar nem saber o que era.
    Às vezes cômico, às vezes satírico, as vezes ridículo, como a vida. Eu e o Irineu gostamos muito. Queremos mais. Ah, a música usada para apresentar o filminho de divulgação, antes do teatro, era linda.

    ResponderExcluir