segunda-feira, 21 de junho de 2010

De partida

Era por volta de meio-dia de sexta-feira, dia 18, quando o celular de André Galarça toca. Do outro lado da linha Cláudia Schulz, coordenadora do Fetism, lhe contava duas notícias, uma boa e outra ruim. Comecemos pela ruim: o grupo argentino La Escalera havia sido assaltado no aeroporto de Buenos Aires e, sem documentos, não poderia viajar para Santa Maria. A notícia boa: bom, como o grupo que encerraria a última noite do Fetism não pôde vir, será que o grupo Teatro Por Que Não? poderia encenar um dos seus espetáculos? Sim, foi a resposta. O resultado foi mais uma bela apresentação do espetáculo "Fim de Partida".

 Clov e Hamm: relação de dependência e ódio


Quando as cortinas do palco do Theatro Treze de Maio abriram, no dia seguinte, estavam dispostos em cena o paralítico Hamm e seus pais Nell e Nagg, dentro de latões. O cenário está escuro, e ao fundo se ouve uma música que dá o tom cadenciado e constante que leva o público ao mundo que se desnuda por trás daquela parede imaginária.

Clov, o empregado manco, recolhe os objetos espalhados no chão próximo ao patrão, que segue dormindo, sentado em sua cadeira de rodas, com um pano velho cobrindo seu rosto. Quando Hamm acordar, todo o jogo recomeçará. O jogo da rotina, das mesmas ações encenadas dia após outro. Mesmas perguntas, mesmas respostas. A mesma piada, que repetida à exaustão perdeu a graça. Um jogo que tortura seus participantes. Este é o universo escrito por Samuel Beckett.


 Nell e Nagg, mutilados, vivem em seus latões


Em um mundo pós-apocaliptico sobreviveram, ainda que mutilados, estes quatro personagens que vivem uma relação de co-dependência. Por mais que se odeiem, precisam uns dos outros para passar os dias. Um dia de merda, igual à merda do dia anterior, sentencia Clov. Além daquelas paredes há um inferno, acreditam. E da segurança de seu abrigo monitoram o exterior, pelas janelas ao alto da parede. A possibilidade de que haja mamíferos em outro lugar os anima e os assusta. Sonham em, um dia, avançar pelo deserto, ou navegar pelo oceano de águas cor de chumbo, sob o sol cinza. Mas nunca saem do lugar. Repetem, dia após o outro, seu jogo de frustrações. 

 Os personagens em suas eternas repetições, à espera da morte, que parece ter esquecido deles


Na sexta apresentação desta peça, os atores demonstraram total domínio de suas ações. Tiveram menos de um dia para se preparar. O ensaio foi de manhã, a maquiagem começou de tarde, e terminou com a apresentação da noite. O espetáculo está vivo, conta Deivid, um dos integrantes do grupo. Quem já havia assistido outra montagem da peça pode perceber que não há uma apresentação igual à outra. O espaço, o público e o ambiente regem cada encenação, comenta a diretora da peça Luiza de Rossi. Nem mesmo os tempos, em cena, são iguais. E talvez esta seja uma das mais belas características do teatro. Não há espetáculo igual ao outro. Todas as peças são ciclos efêmeros, que morrem quando as cortinas se fecham e o público aplaude.

Resta, aos espectadores, trabalhar com as mensagens que ficam no nosso inconsciente. Afinal, o fim está no começo e, no entanto, continua. 


Ficha Técnica
Texto: Samuel Beckett
Elenco: André Galarça (Hamm), Cauã Kubaski (Clov), Felipe Martinez (Nagg) e Rafaela Costa (Nell)
Direção: Luiza de Rossi
Iluminação: Juliet Castaldello
Sonoplastia: Daniella Paez
Maquiagem: Aline Ribeiro
Cenário e figurino: Grupo Por Que Não

Texto: Igor Müller

Fotos: Marcelo Cabala e Nathália Schneider

6 comentários:

  1. Gente! Lindo texto! Agora eu quero saber quando vcs vão postar aquele vídeo fiasquento da gente "cantando e chorando e seguindo a canção" lá no camarim, depois que tudo terminou. Não deixem de postar esse vídeo, pois ele é muito importante! hahahahaha... Bjs e prabéns a todo o pessoal da cobertura colaborativa! Ótimo trabalho!

    Luise

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  2. O pessoal da colaborativa sempre arrebenta!
    Abraços e obrigado...

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  3. Obrigada queridos!!

    Em breve o vídeo do último dia será postado.

    Aguardem!

    beijos

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  4. Theatro Treze, Miau, Macondo (foi nessa ordem? haha)
    Tudo muito bom.. parabéns a todos que participaram dessa festa toda... aguardeeemos o próximo em 2011..

    Texto foda do Igor... congrats..

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  5. Caros,
    Gente... Sempre que assisto esse espetáculo permaneço algumas horas angustiada... Parafraseando Beckett: acho que esta na hora de tomar meu calmante!
    Bem, como havia apenas assistido a apresentação realizada no Macondo pelo Palco Fora do Eixo, me surpreendi com várias coisas que não puderam ser executadas nessa outra apresentação, como a iluminação que, acredito, atribuir a atmosfera desejada.
    Realmente, fechamos o FETISM com chave de ouro e com um grupo extremamente generoso com o teatro e com vida! Vida longa o FETISM e ao Teatro Por Que Não!

    Abraço

    Cláudia Schulz

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  6. Lindo texto mesmo. O pessoal da Colaborativa tá muuuuito de parabéns por toda a cobertura. E toda a equipe do FETISM, por ter proporcionado todas essas boas vivências a nós e a essa cidade, que necessita disso!

    E pra gente foi um imenso prazer ter finalizado esse festival.

    Um viva ao teatro independente! E que venha a quarta edição!

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